SEDE
Às vezes penso que a vida
nasceu-me ao contrário.
Consulto o ortopedista
e fico a saber que sofro do coração,
depois vou ao cardiologista
e diagnosticam-me pés chatos,
coxeio até ao dentista
e arrancam-me a língua.
Quem não me saiba
julgar-me-á emudecido,
mas a verdade é que fui violentamente
tratado pelo dentista.
É com os dentes que ferramos a língua,
mordemos os lábios,
roemos as unhas.
É com os dentes que redemoinhamos
a desesperança, o medo,
a tentação, a agonia.
Estou calado porque me levaram a língua,
mas tenho dentes que tremem
do horror calado
com que pauto os dias.
Espero chegar a velho sem dentes,
nem dentadura,
toda a minha boca só gengivas.
Ninguém precisa de dentes para matar a sede.
Henrique Manuel Bento Fialho
non nova sed nove, abril 2011
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