31 julho 2011

O TEMPO QUE FALTA

Acordar pesado sob as manhãs de nevoeiro:
podia ser uma manhã como outra qualquer,
a sair de casa sem tomar pequeno-almoço,
o corpo ensaboado com desconfiança
porque na manhã anterior faltou-me o gás,
fiquei murcho debaixo de uma água tão fria
que o único grau que pairava no ar
aqueceu-me as notas de crédito e de débito,
recolhas, devoluções, facturas, consignações
e mais uma hora a passar sem parafusos na alegria.

Sujeito-me aos estragos, «caminho pela humidade
luminosa», só, sem vislumbre de sentido
para esta vida roubada, os dias a crescerem
ao nosso lado, a crescerem tão alto que
nos sentimos formigas olhando para os ombros
dos dias, são gigantescos e pisam-nos
e nós deixamos porque nos foi inculcada
a música das crostas que estalam,
estamos transformados em baratas
e dessa transformação fazemos assumida identidade.

Chega o almoço aos bolsos vazios,
aqueles que circulam pela arena do vício
desenganam a ignorância com os olhos distraídos
nos monitores, e nós sentimos mais uma vez
o vazio de que nos enchemos, escavamos argumentos
no peito para que nele brotem sentidos,
mas já nada no deserto, apenas nuvens de pó
e uma porta a bater, livros enterrados na humidade,
músicas adormecidas, o tempo que falta faz-nos falta.

Henrique Manuel Bento Fialho
non nova sed nove, abril 2011

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