27 julho 2011

Estilo

Analépse?
Paralipse?:
Muito pouco,
ou nada.

***

Contrato

Ler antes de assassinar.

***

Dizem que a vida me foi dada à borla.
Só eu sei quanto isso me custa.

Dizem que não penso nos outros.
Deus sabe o tempo que gasto a pensar nisso.

Dizem que tenho um ego agigantado.
É a única coisa que tenho.

Dizem que vou acabar sozinho.
Têm razão.

***

uma aldeia sempre verão
uma aldeia biblioteca
uma aldeia parque de merendas
uma aldeia orgia

uma catedral sincera

***

Venham,
vamos pintar os dentes e azedar o bucho.
Não é nada de mais, eu sei.
É, até, sempre o mesmo.
Mas é o que se arranja a esta hora.
Foi sempre o que se arranjou,
a qualquer hora,
desde que nos lançámos às urtigas
e entardecemos o esqueleto à prudência.
Os cigarros são curtos, o bagaço
ardente. E o que adiam chega,
impreciso e brutal.
Mas nem por isso iremos plantar cactos
ou zurzir o veludo aos caçadores.
Sobretudo, a esta hora:
seria ridículo, e a presunção
ficou pelo caminho. Recordam-se?
Era Junho. E, certo dia,
não amanheceu nunca mais.

***

Não o meu - o nosso suicídio,
vespertino, sem anjos nem demónios,
suspensão desta conversa ao contrário das árvores,
arnela purulando uma vaca moribunda.
Não o nosso - o vosso suicídio,
enquanto a tarde me rasga dos bolsos aos cabelos
aos pequenos papéis em que não digo nada
do que então (já) não fui e não serei.
Evitemos, sobretudo, o despropósito -
o medo, a indecência, a côr esbatida
com que enganamos o nosso nascimento -
não faria sentido e ainda é cedo
para convocar Quem nunca nos fez falta.
Morramos com os olhos no futuro,
estúpidos como sempre, consignados
aos grandes desafios da engenharia.
Não o meu suicídio - não, não só.

Miguel Martins
non nova sed nove, abril 2011

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