25 julho 2011

Com o tempo, os orgãos vieram
todos dar à superfície. Entretanto,
aprendera a ver o real, aplicando
-lhe o dispositivo de revelação
em que, sob cortinas,
se convertera a pintura.
Se no que apercebia faltava
uma dimensão, na tela
tudo se recompunha
graças à técnica de arrumar
os fundos de onde ela surgia
a dar o nó a palavras que,
de outro modo, se perderiam
no fundo líquido do discurso.
Para onde quer que olhasse
ela estava lá, a ocupar o lugar
por onde o mundo desaparecera
para noutro ponto se reagrupar
com uma espessura onde
o que sentíamos se reflectia,
sob outros traços, numa
visão pura e distorcida.
Assim, onde quer que nos
encontremos, ela já está lá
ou entra com os instrumentos
de que se serve para amputar
o real das impurezas que
até ali o tinham obscurecido.
Outras vezes, junto ao aparador,
o sangue pinga dos dedos,
alterando as cores de que
o pintor se serve para dar
vida à pele fina dos frutos.
Limitar-se-á a nivelar
as protuberâncias do real
ou, abrindo passagens,
liberta os espíritos de corpos
que a memória faz revolver
na paz lúgubre do sepúlcro?

Fernando Guerreiro
non nova sed nove, abril 2011

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