01 março 2011

no planeta amar-te
(rua maria pia, altas horas da noite, 18/09/97)

no planeta amar-te, já usaste a seringa e recebeste internamento
no planeta amar-te, vais contra os carros e levas com comprimidos
no planeta amar-te, quiseste ser heroína e gozas coca
no planeta amar-te, perdes tudo em meses e achas que vale a pena o sorriso do bebé
no planeta amar-te, soltas a angústia e vagueias pelo comboio
no planeta amar-te, a paixão é incontrolável e a saudade "até já"
no planeta amar-te, mulher dos sonhos conjuga-se com no pretérito mais-que-perfeito
no planeta amar-te, inventas um novo vocabulário para solidão
no planeta amar-te, sabes que a fruta fresca não é ácida como a chuva
no planeta amar-te, amar-te como se fosse o último bolero de ravel


Nuno Trinta de Sá
in non nova sed nove, dezembro 97

3 comentários:

  1. Wellitania Oliveira3.3.11

    Que poema magnífico!
    A dualidade de sentido que envolve o verbo'amar'é de grande riqueza vocabular. Além da poesia retratar forte carga emocional, por meio da descrição, quase conceitual, da força do amor, pois "a paixão é incontrolável" que desemboca numa "viagem surrealista". A mulher, é um passado do passado, é objeto do desejo incondicional recheado de uma boa dose de erotismo e sensualidade que, exageradamente, podem ser transformados em obsessão e supostamente em fatalidade, pois,"no planeta amar-te" o neologismo e o clássico se encontram.

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  2. olá!
    quando escrevi este texto, há 13 anos, tinha nessa altura 24 e não me preocupava muito com a síntese, a recriação, a oficina, o lápis. sempre privilegiei a prosa, nunca quis saber propriamente das regras formais, nem das correntes estéticas. é claro que escrevemos o que lemos e o que vivemos, como o facto de, no caso, ver pessoas injectadas e com as calças com sangue - isso também sucede em lisboa e marca. gosto da desconstrução da linguagem e, também, de convocar para o texto poético a oralidade e o tom confessional, diarístico. mas, sobretudo, cara wellitania oliveira, eu e muita gente (ainda) gosta é de viver e fazer da poesia praxis. bjs, muito obrigado pelas suas palavras tão belas, e saúde, nuno trinta de sá

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  3. Wellitania Oliveira5.3.11

    Caro Nuno Trinta,
    Não resisti o desejo de resposta... Inicialmente, agradeço-te por dares atenção a esta voz que "fala sozinha" neste blog há algum tempo, além dos poemas, claro. O fato é que tu foste o único, entre os poetas aqui, a ter tal iniciativa.
    Bem, mas isso não vem ao caso. Quero apenas dizer-te que quando descontróis a linguagem em sua estrutura, também realiza um processo de des-construção de sentidos da mesma. Tal processo em teu poema, faz emergir estratégias várias, através das quais os sentidos são veiculados. Entre tais, podemos perceber o non-sense, o óbvio, a subversão, o insólito, o jogo e também a semelhança. Chama a atenção pela linguagem e pela montagem inédita. Consideras as palavras que integram um vocabulário, não como um mero objeto inerte de composição, e sim energia, matéria-prima que se transforma, ganha outras formas em teu imaginário. Assim, subjaz um processo de des-construção que destrói e re-constrói o próprio dizer. Gostei do estilo.
    Saúde para ti também.

    Wellitania

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